segunda-feira, 18 de abril de 2016

— Namore um Cara que Lê

Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras. Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê. Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar. Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil. Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances. Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência. Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo. E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre. Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar –com o coração aquecido– para o seu lado. Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio. Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouví-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado. Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho. Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do “e eles viveram felizes para sempre”, namore um cara que lê. Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Ele não é tão rico, nem tão bonito e muito menos o ban-ban-ban do grupo de amigos. Ele não se destaca em nada. Pra falar a verdade, até meio estralho ele é. E por mais incrível que seja, quando ele foi embora, ele não me causou nada.
Ele é simples como qualquer outro e tem manias idiotas como qualquer ser humano. Fala feio, ouve música alta, ama os pais, tem sonhos e saudades, cozinha e às vezes arrisca uma ou duas notas no violão. Ele é simplificado o bastante. Ele foi a parte simples dessa minha vida engatada no caos. E não levem a mal, quando eu falei que ele não causou, não menti. A ida dele não moveu nenhum músculo meu. Não mudou nada. Nenhum sorriso. Nenhum choro. Nenhuma perspectiva de vida. Ele me causou um nada. Algo bem pior do que ter, perder, entrar na fossa e superar. Nem pra isso esse homem serve, não conseguiu nem me dar um clichê de novela mexicana. Eu simplesmente existi. Como se eu tivesse tomado um ou dois entorpecentes. Eu via tudo, sentia tudo, ouvia tudo, mas não conseguia reagir a nada.
Perder ele foi possivelmente o mais próximo que eu cheguei à alguma morte interior. Era como se todos os meus órgãos falhassem e segundos depois voltassem a funcionar pra poder me mostrar que eu vou ter que continuar vivendo, por pior que fosse.
Acordar, tomar café, me arrumar, ir ao trabalho, ao mercado, à padaria. Tarefas simples. Tarefas complicadas demais pra quem tem que lidar com o sorriso alheio e a morte interior. Era como se eu dobrasse a esquina esperando que ele estivesse lá, ou abrisse a caixa de e-mail idealizando alguma lembrança de “ei, fiz aquela receita e lembrei de você”. Mas não tem lembrança. Não tem sentimento. Não tem nada.
É viver como se não tivesse existido. Existir como se pudesse viver. Aguentar como quem carrega 112 toneladas de aço quente nas costas e esperar, suplicando, pra que, por favor, esse nada se transforme em pelo menos alguma dorzinha pra poder passar o tempo.
Eu te amei com todas as palavras que aprendi e talvez por isso nenhuma delas sirva pra esse momento. Eu te perdi com todo o meu vocabulário interno. — Eduarda Leichtweis.