segunda-feira, 21 de março de 2016

Muita Coisa Inacabada Porque a Gente Acabou - Part IV

“Hoje voltando pra casa, passou um cara do meu lado que tinha o seu cheiro. Tá que eu nunca fui fã desse seu perfume barato e adocicado, até te dei um importado de presente de aniversário, só que você insiste em passar essa colônia nojenta para me irritar. E irritava. Como irritava. Hoje, pela primeira vez na vida, eu gostei de ter sentido esse teu cheiro. Ao invés de ter corrido atrás do cara, eu corri foi do cara. Vai que ele era mais um prepotente que queria esbarrar na minha vida e deixar esse fedor virar “two one two”. Quase fui atropelada. Filho da puta! Procuro um lugar urgente pra estacionar essa minha vontade de ser de alguém. Cafeterias e livrarias não, esses lugares estão sempre cheios de pessoas vazias. Vazias de amor. E eu não quero um amor, eu quero me livrar dele. BARES! Há sempre uma boa bebida, uma boa música e uma boa pessoa para nos escutar. Cerveja não moço, hoje eu quero uma bebida mais quente pra aquecer o que há de melhor aqui dentro. Um, dois, no máximo três caras me olhando, o do canto até que não é feio. Olho pro celular, não toca, vejo a hora, não toca, olho pra hora de novo porque na primeira vez eu nem tinha prestado atenção no que eu estava olhando. São 20h. Finjo que estou esperando alguém pros babacas ao meu redor perderem o interesse. Ninguém chega. O cara do canto que até que não é feio se aproxima com aquele papo mole de “E ai?” E ai que eu não tô aqui, não tô afim, dou um gole na minha bebida e a vida começa a se tornar menos agitada e mais simples. “Eu nunca te vi por aqui, é nova?” Papo chato, cara chato, bar chato. Será que se eu deixar o dinheiro da bebida e sair correndo, eles vão me achar menos humana e muito insana? Não corri como planejado, mas deixei a grana e sai como se tivesse me libertado de algo que eu não sabia exatamente o que era. Andar me faz bem, mas andar sozinha me parecia solitário demais. Contei todos os gatos que passaram por mim na rua. Foram 12, juro. E ai me lembrei o quanto você odiava essa minha mania de contar a quantidade de animais abandonados. Quis chorar. Não pelos gatos, quero dizer, por eles também. Ai meu Deus, tô chorando. Peguei o celular e disquei seu número. Chamou, chamou, chamou e você atendeu com uma voz de cansado de quem tinha feito sexo o dia inteiro com a primeira puta que esbarrou por ai. Desliguei. Me odiei por quase uma eternidade, e te amei por umas 5 vidas. Cadê a chave do meu carro? Santo Deus, quando foi que minha casa esteve tão bagunçada? É pra combinar com as coisas aqui dentro. Achei! Prometo voltar logo, não morre de saudade. Três copos e tá eu aqui me despedindo do meu cachorro. Dirijo por ai, sem rumo, sem direção, sentindo a brisa do vento bater na minha cara com gostinho de liberdade. Mas se tô livre e tô feliz, por que quando eu respiro sinto que falta alguma parte de mim? Até sendo inteira eu sou metade. Ligo o rádio. Tá tocando Oasis. Começo a cantar em voz alta como se você fosse ouvir do outro lado do mundo “BECAUSE MAYBEEEEEEEEEE, YOU’RE GONNA BE THE ONE THAT SAVES MEEEEEEEEEEEE, AND AFTER AAAAALLLL, YOU’RE MY WONDERWAAAAAAAAALLL”. O tiozinho do carro ao lado acha graça de tudo isso e dá aquela buzinada pra chamar minha atenção.  Mando o tiozinho do carro ao lado se foder. Ih, uma blitz. Eu bebi, eu bebi sim, não me prenda seu guarda, se eu te explicar a minha história até o senhor choraria. Criei todo aquele diálogo de uma mulher pobre inocente que bebeu porque teve o coração partido, pro guarda nem notar a minha presença e pedir pra eu sumir dali. Ei, eu disse pra você que eu bebi? Foram 3 copos. 3 não, foram 4. Isso, 4 copos de uma bebida que eu nem me lembro qual era, ta vendo como eu tô mal? Até esqueci o que eu bebi. Não vai embora não seu guarda, eu passei o dia todo querendo ser de alguém. A gente pula essa parte da conversa e vai direto pra cama. Não, essa conversa não aconteceu. Dirigi por mais uns 10 km mais ou menos e parei, no meio do nada pra entender porque diabos eu estava indo pra lugar nenhum. Mas ir pra lugar nenhum não é ir pra algum lugar? Já nem sei mais o que eu tô pensando, o que eu tô fazendo, e a porra do meu celular nem pega aqui. Vou voltar pra casa. Merda. A gasolina. A gasolina acabou. Por que diabos deixei a gasolina chegar ao fim? Eu tô perdida. Apavorada. Insetos, bichos, escuridão, frio, carros… Cadê os carros? Eu vou morrer. Algum serial killer vai aparecer aqui, com uma faca na mão querendo me estuprar tipo esses filmes de terror hollywoodianos. Tô sentindo. Ouviu isso? Ah, é a árvore se mexendo. Tô paranoica e a culpa é sua, seu filho da puta, maldito, cretino de merda. A culpa é toda sua. Coloca ideia na minha cabeça de que andar dirigindo por ai faz bem, e faz, e não faz, e não sei a porcaria que faz. EU NÃO TÔ BEM! Tô chorando de novo, e dessa vez é de desespero, e de ódio, e de saudade, e por você. CHEGA! Me encolhi dentro do carro como quem quer um abraço de abrigo, e fiquei lá, em posição fetal. E me senti tão culpada, tão estúpida e tão menos mulher por ter fugido mais uma vez sem saber pra onde. Porque eu queria ir de casa em casa procurando alguém mais adulto, mais responsável e mais homem que você, só pra entender que mais isso e mais aquilo continuaria me deixando presa pelas metades. Porque é desesperador demais chegar em casa e encontrar apenas meu cachorro na poltrona a minha espera sem ter que ouvir os gritos do seu futebol, e nem ver as cervejas espalhadas por cada canto da casa…  CHE-GA! Olho para meu celular, 1 pauzinho de rede, 10 ligações, 5 mensagens de voz, 20 mensagens de texto. Obrigada meu Deus! Envio minha localização para JP com um pedido desesperador de socorro. 10 minutos. Foram exatamente 10 eternos minutos de espera, mais uns 15 minutos pra contar a história toda, e uma vida pra poder esquecer tudo isso. Entrei no carro rumo a minha casa, era hora de ir embora pra sempre.”

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