segunda-feira, 21 de março de 2016

Muita coisa inacabada porque a gente acabou. - Part III

“Oi, sou eu, pela quarta vez… sei que você já deve ter ouvido as outras três mensagens de voz, e provavelmente está decidindo se atende ou não, então se você não atender agora… não atenda, não atenda meus telefonemas nunca. Estou falando sério, não quero ter que estragar teu romancezinho sem graça… Olha me desculpa. O tempo da mensagem vai acabar. Tá ouvindo essa música? Quem diria que tocariam os RAMONES em uma boate. Todo mundo está aqui, estão perguntando sobre você e eu sinceramente não sei o que dizer, falo que você viajou? Sumiu? Arrumou um emprego na Índia? Você deve estar ouvindo isso e rindo, achando que sou um babaca. Está com fones de ouvido? Está do lado dele, não é? Você tá olhando pra ele agora, acertei? Tá pensando sobre como ele é perfeito para você em tudo, ele é o cara ideal, o cara que sua mãe deixaria dormir na cama dela se possível, você tá pensando que ele ontem te trouxe uma caixa daquele chocolate caro que você e eu tentávamos adivinhar o sabor sempre que passávamos de frente aquela loja… Droga! Posso mandar outra mensagem de voz? Meu tempo está acabando, odeio essas operadoras. Continua olhando para ele, olha bem para ele e vê se consegue se ver nele, estranho né? Acabei de falar coisa com coisa, ou coisa sem coisa, nunca entendo esse ditado. Você não se vê nele, certo? Eu sei o quê consegue enxergar, de longe você vê uma mulher olhando para o céu enquanto caminha de mãos dadas com ele no parque, ele segura sua pipoca, você se sente enjoada, sente frio, e ele não sente nada, na verdade ele está comendo sua pipoca agora, não deixa! Sério, não deixa ele comer sua pipoca, você detesta pipoca, mas é sua, e você pagou por ela, você tem direito a cada pipoca que está nesse saquinho… Porra, preciso mesmo desligar. Vou enviar uma segunda mensagem, prometo.“ Arrependo-me de fazer promessas assim que desligo, sei que não consigo, meu celular está morrendo. “Ei garota, você tem um carregador portátil? Não? Obrigado.” Ninguém nesse clube tem um carregador portátil, é claro que não, as pessoas saem de casa com seus celulares bem carregados, e os deixam na mesa, tiram algumas selfies, e bebem, e derramam cerveja no aparelho, e limpam com a blusa lisinha da garota morena de olhos verdes, e riem juntos, e está tudo perfeito, tudo exceto pelo cara que está enchendo aqui do lado, pedindo um carregador portátil, o cara parece estar bem desesperado. O cara vai até um barman, ele é gay – não o cara, o barman, mas o barman só vai arrumar um carregador se o cara der um beijo na boca dele, o cara decide que não está no clima para beijar boca de macho algum. Deixo meu celular na mesa, e agora é a minha vez de derramar cerveja nele. Cerveja, cerveja… EI BARMAN, PRECISAMOS DE ALGO MAIS FORTE AQUI. Que machões viris nós somos, até o barman quer passar a mão, talvez hoje eu leve duas para casa, talvez eu leve três e elas se peguem no banco de trás do meu carro. Cadê meu celular? Droga! Roubaram a porra do meu celular! O cara está desesperado. O cara vai em todos os lugares, o cara vai em todas as mesas, portaria, volta barman, O QUÊ? ELE PASSOU MAL E FOI EMBORA? Ele roubou meu celular! Não ele não roubou. Ali está o Barman, dançando com meu melhor amigo, nossa nunca iria saber que ele é viado. Ok, esse foi um termo escroto. Mas não quero saber de mais nada. Alguém colocou algo na minha bebida, que se dane o meu celular, vou pegar a morena de olhos verdes, e que se dane o cara que já beijou ela antes, não me importo de beija-la, eu beijaria essa morena a noite inteira e o dia seguinte, eu levaria essa morena para casa e passaria uma semana com ela em Fernando de Noronha, depois… Quem é essa morena? Estou em casa, que dia é hoje? Mãe? Minha mãe esta dormindo na poltrona. O pior da ressaca é com toda certeza a dor na cabeça, é como uma marreta que nunca chega a bater de fato no seu crânio, mas você sofre com o medo de que ela acerte. Meu celular está na pia do banheiro, como diabos ele foi parar aqui? Não sei. Está descarregado, e como eu sou um covarde, um covarde de ressaca que lembra o que fez na noite anterior, eu deixo ele ali, torço para que ele caia na pia com água, assim eu vou ter a desculpa de falar que não liguei porque a PORRA DO CELULAR CAIU NA PIA COM ÁGUA, DÁ PRA ACREDITAR? Como sou um covarde, eu decido que ela nem ouviu minhas mensagens de voz, ela estava transando, ouvindo Bob Marley, fumando aquele baseado, por que ela ouviria tuas mensagens? Nossa, ela não está transando ouvindo Bob Marley, sei disso porque ela odeia essas músicas, sei disso porque ela odeia cigarros, então, vou mudar o cantor e tudo fica no lugar, não é? Já tenho uma desculpa pronta. Banho, lavar o rosto, banho outra vez, vomitei na roupa limpa, isso já é o terceiro banho? Trabalho – Não mãe, eu não quero café, vou comprar no caminho! Carros, e como é difícil conseguir um táxi em plena segunda feira, é tão difícil que chego a cogitar andar 5km. Meu terno perfeito, junto com a gravata perfeita, nossa até pareço o cara que ela estava dormindo ontem. Estou atrasado sim chefe, desculpa, é que ontem embebedei meu coração. Homens dizem isso? Foda-se o que os homens dizem, preciso provar que sou homem agora? A secretária e umas duas funcionarias novatas estão falando da fulana que se assumiu lésbica, o cara da copiadora chega fica com o pinto duro, homem adora uma lésbica, homem adora uma boa lésbica que adore uma boa mulher. Acho isso escroto, as lésbicas não querem um pau no meio da relação delas, então não acha que elas precisam do seu pau intrometido, elas não precisam. Minha cabeça está confusa, são os analgésicos. Volto andando, fui liberado mais cedo por estar “indisposto” estava vomitando tudo mesmo, pode falar para o chefe que eu sou um puto de um irresponsável. Não sou alcoólatra não. As ruas tem mais buracos que a lua, vou pela calçada, andando pela beirada, tentando me equilibrar, estou ouvindo THE WEEKEND, esse cara só canta sobre sexo não é? Sexo e amor, mas as garotinhas só escutam a parte do sexo, por incrível que pareça eu estou ouvindo a parte do amor. Geralmente ando tudo isso de volta para casa em 1h, mas agora está tão difícil andar, parece que ainda não sei andar, que sou uma criança dando os primeiros passos. Então dou de cara com ela, olha para o lado idiota, não consigo, lá está ela segurando balões, sozinha, segurando balões coloridos, ela está do outro lado da rua, óculos escuros, embora o sol já esteja se pondo, shorts curtos e uma camiseta rasgada de uma banda, uma camiseta dos RAMONES. Me encho de esperança, porque apesar de brabo as vezes, apesar de ser tão idiota, só ás vezes, eu me sinto leve, e não sinto mais ressaca alguma, quero agarra-lá de surpresa, quero segurar aqueles balões para ela, e quero engolir tudo que a impede de ser ela mesma. Ela vai embora, entregou os balões para uma criança que estava perto dela, não tinha colocado a criança na equação. A música parou, a garota foi embora, o celular pifou, e meus pés já não aguentam mais andar, na verdade o celular está pifado em casa. E agora? Apareço naquele apartamento pequenininho que eu a ajudei a escolher, e bato na porta feito um doido, dizendo que estou pronto, levando aqueles chocolates? Sou tão o outro cara! Eu levaria uma cerveja, mas já tenho cerveja demais no meu organismo. Péssimo plano, vou ligar. MÃE, estou ligando de um telefone público, carrega o meu celular. Não sabia se era permitido, ligar assim, depois de dois dias, mas em algum livro de amor isso é permitido, em algum livro isso é totalmente natural, o cara só teve um problema com o telefone, não é como se ele não amasse a garota, ele ama a garota de uma forma, que forma, cara? Como você ama essa garota? Ele não sabe, e ele está se olhando no espelho agora, segurando um telefone semi carregado. Ele está pensando se vale a pena voltar, ele está pensando se ela sente a falta dele como ele sente a dela, ele está pensando se ela estava pensando nele naquela hora com os balões, ele se acha ridículo, e ele vai desistir de ligar se continuar pensando. Viro para os bonecos do Toy Story que comprei depois que terminei a faculdade, meu quarto tem tudo que um quarto de homem não tem, de novo esse papo de homem? Aperto o botão ligar. Não atende, não atende, não atende, atenda logo e acabe com minha insegurança e infantilidade. Olho para as pílulas que usei esse final de semana, e isso é só uma das trezentas coisas que terei que mudar por ela. Decido que não vou mudar porra nenhuma. Caixa de mensagem… Deixe o seu recado… “Oi… sou eu… pela quinta vez… Meu celular caiu na pia, acredita? Tive que comprar um novo celular. Sobre o que eu estava falando mesmo? Vou cortar esse papo, dois dias e eu perdi o jeito de falar. O que vou dizer agora é … completamente baseado na minha crença de que você acredita que eu seja um bom moço, quem diabos usa essa palavra? MOÇO? Entende? É tudo baseado em acreditar um no outro, eu sei que você quer desesperadamente achar algo bom em alguém, você quer achar um bom moço, um bom moço que não seja eu, sou desajeitado, desastrado, tropeço nas palavras, não sou nada sarado, não sou quase nada nessa vida, e são incontáveis todas as coisas que eu não sou, mas eu sou algo, eu não sei o que é, só sei que eu sou algo perto de você. E não, eu não estou bêbado, por favor não me ache um maluco. Mas eu realmente quero poder segurar alguns balões para você. Aliás…“ Droga de operadora!”

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